PÍLULA 1 – BUSCANDO ALIADOS
Nota do autor: pra você que está acompanhando o começo desta história, as pílulas são os momentos que acho importante explicar melhor determinados conceitos. Serão várias pílulas no decorrer deste livro e que estão agrupadas em um índice nas páginas finais, para facilitar sua vida em situações onde você poderá precisar de alguma referência fácil de ser localizada. Expliquei-me? Ótimo. Continuemos.
Na Europa e nos EUA assim que se cria uma nova iniciativa criam-se dois grupos. Um para atuar diretamente na causa: Trabalhar com refugiados, cuidar de velhinhos, defender o tamanduá amarelo (existe?), cuidar de crianças com câncer, etc. Aqui no Brasil fazemos isso muito bem também. Mas diferentemente de outros países, não constituímos o segundo grupo: os que buscarão novos aliados. Em qualquer lugar (menos no Brasil) se pensa sobre as causas de forma a encontrarmos mais gente que também acredita nelas. Isso é um princípio, não uma conseqüência.
No Brasil muitas ONGs tem um excelente quadro técnico, uma idéia super criativa de atuar em defesa de determinada causa, mas esquecem de buscar novos aliados. Acham isso difícil, às vezes acham isso impossível ou até desnecessário. Pois serei duro aqui: Se sua entidade não tem aliados é porque a causa só é importante pra você. E se é só importante pra você (e uns quantos funcionários seus) é porque a sociedade não precisa dela. E se é assim, por favor, feche as portas. Vá aliar-se a causas mais importantes.
Você se ofendeu agora? Ótimo. Significa que você acredita que sua entidade e sua causa são importantes, certo? Ótimo. Pois busque aliados. E mostre-nos que sua entidade é legítima, importante para nossa sociedade. Convença-me de que devo apoiá-la, convença sua prima e seu vizinho. Convença o empresário, não somente para ele te doar 100 mil reais hoje, mas pra ser teu parceiro pelo resto da vida. Busquemos aliados.
Em minhas aulas conto sempre o exemplo a seguir: Vamos supor que exista (e existe) o Mico Leão Dourado e o Tamanduá Amarelo (será que existe ou existiu? Vamos supor que sim). Pois vamos supor também que no início dos anos 90 tenham sido criadas duas ONGs, cada uma para defender um desses animais. Imagino que você já tenha ouvido falar de Mico Leão Dourado. Talvez até já tenha ouvido falar da ONG (que realmente existe) que defende o Mico Leão Dourado. Mas vejamos a ONG do Tamanduá: Ela não existe. Será que existiu? Será que houve um tamanduá amarelo? O que sim posso garantir é que se existiu, ele foi extinto. Já o Mico Leão continua aí, vivinho e procriando.
Quero ilustrar com isso que caso houvesse existido uma ONG que defendesse o tamanduá, não só ela estaria extinta como também, e isso é o mais grave, o próprio tamanduá. Ninguém conseguiu convencer outras pessoas de que o tamanduá é importante e por isso morreu a ONG e a causa da ONG. Então imagine sua entidade e sua causa. Quantos aliados ela tem hoje? Quem mais defende as mesmas causas que você? Como esses aliados estão aliados a você? Uma contribuição mensal? Um mailing de gente que participa de eventos? Não conte os tapinhas nas costas. Eu me refiro a contribuições concretas, atos voluntários, mexer no bolso, aliados que se dedicam a ligar para buscar mais aliados. Quantos são? Menos de mil? É pouco.
Imagine agora uma entidade que nos anos 70 e 80 fez trabalhos fantásticos de alfabetização de adultos com o método Paulo Freire. Receberam desde aquela época recursos internacionais de fundações canadenses e holandesas e realmente fizeram um trabalho incrível. Mas pecaram em não buscar aliados à causa da alfabetização de adultos. Os recursos foram minguando. Os dirigentes envelhecendo. Eu conheço uma entidade assim. Sabemos, e eu disse a eles isso, que a entidade vai morrer. E com ela todos os ideais maravilhosos da pedagogia de Paulo Freire para a alfabetização de adultos. Sim, há outras entidades fazendo isso, mas esta que citei vai morrer. E se essa fosse a sua?
Sim, hoje em dia existem programas governamentais que realizam alfabetização de adultos e isso não existia antes. Mas então porque a entidade não se reinventou? Porque eles acreditavam que estavam fazendo a coisa certa. E estavam, mas faltava a outra metade: buscar aliados. E com eles renovar-se sempre, oxigenando a entidade com novas cabeças. Defendendo sempre uma causa atual e necessária. E ao mesmo tempo angariando aliados para essa causa. Se pensassem em buscar aliados, já teriam criado o departamento de captação de recursos.
Buscar aliados é a base da captação de recursos. Os recursos mais importantes são os nossos aliados. O dinheiro é conseqüência disso.
PÍLULA 2 – DIVERSIFICAR AS FONTES DE FINANCIAMENTO
Isso já constava no título do livro que escrevi com Célia em 2000. É curioso como ainda vejo em minhas aulas muita gente que vem em busca de dicas e técnicas para conseguir recursos somente com empresas. Querem saber quais as leis de incentivo, qual a “dica quente” (como ouvi faz poucas semanas de um aluno), como elaborar um projeto vencedor.
Bem, eu tenho a dica quente, tenho o projeto vencedor, tenho até a lei pra você. Mas não basta. De que adianta você conseguir um milhão de reais com a coca-cola se daqui a dois anos esse dinheiro acabou e a coca-cola resolveu mudar de estratégia de patrocínio? Vamos sim buscar recursos com empresas, mas não só. Nós precisamos, para manter a sobrevivência da entidade, que nenhuma das fontes de recursos seja maior que um terço de nossa receita.
Existem milhares de entidades, principalmente as que têm convênios com o governo, que tem uma dependência de 70, às vezes 90 por cento do governo. É verdade que estamos em uma democracia representativa consolidando-se, mas “e se”? E se muda tudo, entra algum maluco e corta as verbas? Fechar as portas, isso que resta.
Como esse é um assunto bastante tratado no livro anterior, vou só relembrar que se deve buscar idealmente três terços de fontes diferentes de recursos, cada fonte não representando mais de 35 por cento dos recursos da entidade.
Não adianta dizer: “Ah! Eu tenho três empresas que me patrocinam, cada uma dando um terço da minha receita”. Pois não serve. Pois se vem uma crise as três fecham a torneira. Quando eu me refiro a três terços é de fontes diferentes: um terço de empresas, um terço de indivíduos e um terço de governos, por exemplo. Ou um terço de uma fundação internacional, um terço de eventos e um terço de empresas. Faça suas contas, planeje essa mudança para sua entidade. Claro que isso é um ideal. O alarme deve soar quando você vê que alguma fonte está chegando a 50 por cento de sua renda. É hora de agir.
Lembre-se desse desenho abaixo. É fácil memorizar, lembra-se do símbolo paz e amor dos hippies? É isso mesmo. Coincidentemente é o que precisamos para a sustentabilidade de nossa organização. Paz e amor.
Diversificar fontes dá trabalho, mas garante nossa sobrevivência e autonomia. Se perdemos uma fonte, apertamos o cinto e ainda sobrevivemos até encontrarmos outra.
PÍLULA 3 – PLANO ANUAL DE CAPTAÇÃO
Antes de começarmos a falar sobre o plano de captação, é importante destacar que não se trata de um planejamento estratégico da entidade. São duas coisas diferentes e uma não substitui a outra. Ao contrário, não se faz um plano de captação bem feito se não há um planejamento estratégico prévio. Este livro não trata de planejamento estratégico, mas existem muitos bons livros por aí. Para resumir, vamos dizer que um planejamento da entidade diz ao menos onde se quer chegar, por quê se quer chegar aí e de que forma se vai chegar nisso.
Também para encurtar, digamos que uma entidade como a sua tem metas de ampliação de atendimento ou mesmo de manutenção do que realiza. Em qualquer dos casos existem necessidades financeiras a serem cobertas e para isso se faz então um plano de captação cujo objetivo é fazer com que a entidade tenha os recursos suficientes para realizar seus objetivos.
Se não há um objetivo claro, não há uma captação clara. Brinco com meus alunos que existem muitas entidades como a do diálogo abaixo:
– Quanto vocês estão captando?
– Ah, o que vier é lucro né?
(…)
– E quando termina a campanha?
– Nunca né? Estamos sempre captando…
Então um plano começa com algo bem simples: Quanto se quer captar e até quando faremos isso. Parece óbvio não é? Pois você não tem idéia da quantidade de entidades que travaram comigo um diálogo similar ao daí de cima. E ainda achavam que estavam corretos…
Vejamos a primeira pergunta: QUANTO? Obviamente a resposta a essa pergunta deve estar atrelada aos objetivos estratégicos que a entidade se propôs. Vamos supor que a ONG quer manter o que realizou este ano, mas com melhores condições de trabalho (estrutura administrativa ou equipamentos, por exemplo). Ou quer simplesmente aumentar os atendimentos em 20 por cento. Ou ainda pretende criar um novo serviço que atenda os usuários também à noite. Em qualquer dos casos é muito provável que os gestores da entidade tenham orçado os custos dessas alterações em relação ao ano em curso. Pois então a resposta ao nosso “QUANTO” é esse valor financeiro.
Mas um detalhe importante aqui: Não se trata de captar o acréscimo e sim o total do orçamento anual. Por que isso? Por um truque mental simples. Perceba a diferença nas duas sentenças:
“- Olá, estamos precisando de 10 mil reais para nossa ONG”.
“- Olá, nossa entidade tem um orçamento anual de 110 mil reais e só nos falta complementar 10 mil reais. Podemos contar com você?”
Além do truque mental existe uma realidade aí. De fato a entidade tem um orçamento previsto de 110 mil. De fato só faltam 10 mil. Mas a responsabilidade do captador é pelo conjunto dos recursos e não somente sobre os 10 mil novos. Em geral os custos anuais estão cobertos por outras fontes e por isso cometemos o erro de pensar somente nos acréscimos. Acontece que quando uma dessas fontes nos falta é que nos lembramos do captador para apagar o incêndio.
Como captador não é bombeiro, consideremos um plano anual como o conjunto de recursos necessários para cobrir o orçamento anual da entidade. Desta forma todos sabem que tão importante quanto buscar recursos novos é manter os existentes. E isso é função tanto do captador como de todos os gestores da entidade.
Outro motivo para nos dedicarmos a planejar uma campanha incluindo todo o orçamento anual é que existe uma enorme confusão entre projeto, programa, plano…
As pessoas tem o costume de dizer: “Tenho um projetinho aqui…” ou “Este ano temos um projeto novo de captação…” ou ainda “Estou captando recursos para um projeto da entidade, mas esse projetos nunca cobrem os custos administrativos…”
Bem, vamos por partes. Projeto não é plano. E um plano não necessariamente envolve captar para projetos somente. Essa idéia de projeto é herança maldita das fundações internacionais. Antigamente só se aprovavam projetos e por isso as ONGs estavam já adestradas a escrever projetos. E tentavam embutir os tais custos administrativos dentro dos projetos, mas quando as fundações percebiam, cortavam sem dó. Por que faziam isso? Porque tinham a coerência de imaginar que tratava-se de mais um projeto da entidade e não o único.
Essa confusão conceitual gerou filhotes até hoje. Milhares de entidades estão neste exato momento buscando recursos para um projeto. E esperam com isso sobreviver. Nada mais equivocado. Vamos fazer um exemplo prático: eu tenho um projeto que é o de pintarmos os muros da vila que eu moro, junto com minha vizinhança. Aí eu corro atrás de um financiamento para que pague esse projeto e também o aluguel da minha casa… Percebe a incongruência?
Desta forma, uma entidade pode ter ene projetos e pode-se até pensar que, somados, estes garantam os custos da ONG. Mas um projeto não paga uma ONG e se paga, está errado.
Um programa é algo mais avançado e interessante. Trata de agrupar projetos que tenham um mesmo tema. Vamos supor que uma entidade tem o programa de atuação na Mata Atlântica, com diversos projetos; e outro programa de atuação na represa Guarapiranga, também com diversos projetos. Uma ONG consolidada pensa e age assim.
Já um plano, neste caso o de captação pode ou não conter projetos e programas. Lembra-se que falei da sustentabilidade institucional através dos 3 terços? Pois essa é a preocupação do captador profissional. Garantir que existam recursos para a entidade de forma harmônica. É tão responsável pela obtenção de recursos para o projeto xis como para o pagamento dos funcionários através de outros mecanismos de arrecadação.
Então o plano anual trata do orçamento anual, ok? E além de garantir que os atuais mantenedores continuem mantendo a entidade, devemos buscar, claro, novos apoios. Mas fica a pergunta que faltou responder lá em cima: QUANDO?
Na verdade a pergunta é “até quando?”. Se eu não defino um prazo, como poderei avaliar se fui ou não capaz? Então vamos supor que vamos iniciar a campanha de captação para o ano que vem. Neste ano que corre, devemos trabalhar aproximadamente de julho a outubro, intensamente. Desta forma, no início de novembro podemos passar as coordenadas para os gestores da entidade quanto ao detalhamento das ações para o ano que vem. E se fomos felizes na meta quantitativa e no prazo, podemos dizer um tranqüilo: Sigam em frente. Mas caso não tenhamos conseguido, os gestores poderão avaliar a tempo o que se fará no detalhamento das contingências para o ano seguinte.
Você deve estar se perguntando: Mas se o trabalho é de quatro meses, o que se faz nos outros? Nada! Vamos pra praia! Brincadeira. O que fazemos é algo sagrado na mobilização de recursos: convívio. O convívio com os atuais, com os novos e com os futuros apoiadores. É esse convívio que garante fluxo contínuo e recursos para a entidade. Um captador não é somente uma pessoa que pede, é antes de tudo, uma pessoa que oferece. Oferece um convite para um evento, oferece um café para uma visita às instalações da entidade, oferece um cartão de natal ou um telefonema de feliz aniversário, oferece um elogio quando soube que o empresário teve um filho… Oferece principalmente a oportunidade do sujeito aliar-se a uma causa, a nossa.
Mas disso falaremos mais pra frente. Quero aqui voltar ao plano anual. Outra dúvida comum é me perguntarem: “Mas é pra conseguir todo o dinheiro nesses quatro meses?” Não. É pra conseguir os compromissos e certo detalhamento dos recursos futuros. Parte desses recursos virá no decorrer do ano. Das pessoas por exemplo. Dos eventos. Do convênio com o governo. Das parcelas do patrocínio obtido com uma empresa. Mas no prazo de 4 meses há uma quase certeza do que está por vir. Há compromissos assumidos.
Se no plano de captação há uma previsão de dois grandes leilões de arte por exemplo, realiza-se um leilão dentro desse prazo de quatro meses. E se captamos com ele 30 mil reais, podemos contar com esse valor aproximado quando o próximo leilão ocorrer.
Se existe uma campanha de novos associados e isso tem gerado um crescimento consistente de 5 por cento ao mês nos últimos 12 meses, podemos prever esses valores em nossa receita.
Existem casos incríveis nos EUA, meca do Fundraising e grande referência para todos nós captadores. Há poucos meses me contaram de uma entidade que tem uma forte arrecadação com heranças. É um trabalho de longo prazo, mas que gera retornos significativos. Convencer famílias para que quando algum membro da família morrer, essa pessoa tenha informações detalhadas em sua herança para doar parte ou todos os seus bens para determinada causa. Pois bem, isso em si já é fantástico e aqui no Brasil estamos engatinhando no assunto. Mas o que me surpreendeu de fato é que a entidade que citei acima tinha um cálculo aproximado de quanto teriam de receita com heranças para o ano que vem, em função de estatísticas muito precisas que geravam um erro de uns poucos milhares de dólares. Fiquei de queixo caído. A entidade sabia que no ano que vem morreriam aproximadamente xis pessoas e isso geraria uma média de tantos mil dólares por cada defunto. Tétrico e fascinante.
Sem querer ser tão especialista assim, podemos atuar de forma singela, porém efetiva, nesse suposto plano anual de captação para nossa entidade. Devemos definir então quanto devemos captar, até quando e, agora sim: quanto de cada fonte e de que forma. Mas isso podemos entender no decorrer do livro. Por enquanto fiquemos com a mensagem importante:
Um plano de captação não é um projeto, é um plano. E deve responder duas perguntas básicas: Quanto vamos captar? Até quando é a campanha de captação? Depois disso vem o detalhamento das metas com cada fonte.
PÍLULA 4 – CONSULTORIA DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL
Esta consultoria não é exatamente um nome padrão nem muito menos consolidado. Mas nestes últimos 10 anos podemos chamar de algo legitimamente brasileiro, como as Havaianas. Esse tipo de consultoria foi criado em função das características das ONGs brasileiras e o constante dilema que muitas vivem: Como montar um departamento de captação se eu não tenho dinheiro para pagar? Bem, se você não tem dinheiro pra pagar, então é porque ainda não está pronto. Falta desenvolver sua instituição.
Esse tipo de consultoria serve para outro momento: A entidade reservou uma pequena verba para montar o departamento, mas sente-se insegura de que o dinheiro acabe e não consigam resultados satisfatórios. Nessas circunstâncias uma consultoria pode contribuir auxiliando a entidade a estruturar o departamento e a selecionar o profissional com o perfil adequado para ocupar esse espaço. A maioria das vezes ocorre de selecionarmos alguém da própria equipe que pretende capacitar-se para essa função ou até selecionamos algum jovem profissional, recém formado, que tem o sincero desejo de crescer junto com a entidade. Em todos os casos posso confirmar que há êxito. É função da consultoria adequar e repassar seu conhecimento para a entidade que a contratou.
Para ONGs que já tem seu departamento de captação, a contratação de uma consultoria pode ser útil para trazer novas idéias, trabalhar com novas fontes ou até mesmo para criar um mote para uma nova campanha.
Nos outros países observamos que não existe esse tipo de consultoria mas sim milhares de agências especializadas em trabalhar a comunicação da entidade para fins de arrecadação. Eu acredito fortemente que esse é o novo patamar da captação de recursos no Brasil: Entidades contratando agências de comunicação especializadas em Fundraising. Mas para isso ainda falta massa crítica de ONGs com essas necessidades e principalmente agências que se especializem nisso. Acho que a década de 2010 verá esse crescimento ocorrer.
Uma coisa é muito importante aqui e cabe destacar: Uma consultoria de desenvolvimento institucional não capta recursos. Vou repetir: Uma consultoria não capta recursos. Preciso repetir? Não capta.
Essa idéia de terceirizarmos a captação é um enorme equívoco que estamos conseguindo sanar nestes últimos anos. Isso é outra herança maldita, desta vez da área cultural. Coincidiu da maioria das ONGs terem sido criadas a partir da década de 90. Este foi também o período que as leis de incentivo fiscal para projetos culturais foram criadas. Muitas pessoas, cansadas de atuar no mundo corporativo (eu inclusive), migraram para uma dessas áreas: cultura ou ONGs. Algumas até hoje atuam nas duas frentes. Posso afirmar que atuam mal. E sei que com isso alguns amigos vão torcer a cara pra mim. Afirmo que atuam mal porque são modelos diferentes e por mais que a pessoa seja uma estudiosa das duas áreas, ela não será uma brilhante em ambas. Existem consultorias que atuam em ambas. Nesse caso não vejo problema, pois pode haver departamentos especializados. Mas se você encontrar um profissional que capta recursos para projetos culturais e também atua como consultor para ONGs, acredite: ele não é o melhor profissional pra você. Pronto, aqueles amigos que torceram a cara pra mim acabam de me tirar da lista para sua festa de aniversário…
Deixa eu me explicar. Vou fazer um exemplo concreto, da minha realidade. Eu mesmo, que atuo principalmente como professor em oficinas sobre captação e faço algumas consultorias, tenho também um projeto cultural que é meu xodó, um Festival de Documentários Musicais. E capto recursos para ele. Mas eu sou sócio desse projeto. E ainda assim, mesmo sendo sócio e principal interessado, eu não tenho a última informação da alteração da lei ou mesmo os dados atualizados dos outros festivais similares ao meu. Para isso, conto com os amigos que se especializaram nisso. Então, se você está entre essas duas águas (ONGs e cultura), escolha uma para chamar de sua. Continue, se quiser, atuando nas duas, mas especialize-se em uma. É melhor pra você e para seus clientes. E é melhor para as ONGs.
Mas preciso novamente reforçar nossa tese de que uma consultoria não capta recursos. E agora vou inverter a lógica, para esclarecer de vez. Vamos supor que você contratou uma consultoria que capta recursos e você pagou uma comissão por esse trabalho. E eles captaram com umas três empresas, duas delas por edital. E captaram com uma fundação internacional. E passou um ano. E essa tal consultoria, que adora estar sempre captando e o que vier é lucro, propõe bolar um novo projeto envolvendo a terceira idade porque descobriu que uma fundação no sul está apoiando projetos de terceira idade…
Qual a motivação de uma empresa dessas? O lucro. Qual a sua motivação de estar à frente de uma entidade? O lucro? Percebe que são motivações diferentes? Percebe que para a empresa o objetivo é ir cavando oportunidades de ganhar dinheiro? Percebe que estar atento a oportunidades e editais é função sua e você não precisa pagar alguém para isso? E por último, a defesa matadora: Percebe que o que eles fizeram você também faria? Buscar editais? Oras, isso qualquer estagiário craque de web pode estar atento gastando 15 minutos por dia.
Agora o mais grave desse modelo terceirizado de captação é que essas pessoas não estão interessadas no convívio com o doador, pois isso não dá dinheiro no curto prazo. Eles querem novas doações, sempre, a qualquer custo. Mesmo que isso envolva fazer um projeto para a terceira idade e sua ONG trabalha com crianças moradoras de rua…
Então, como tudo na vida, existem dois lados. Procure uma consultoria que tem o desejo sincero de apoiar o desenvolvimento das entidades. Essas estão do nosso lado.
Consultoria de desenvolvimento institucional é um parceiro possível em qualquer dos três momentos de uma entidade: quando decidiu por montar um departamento; quando quer novas idéias ou fontes; quando busca novas estratégias de comunicação para suas campanhas.
PÍLULA 5 – CASE STATEMENT (OU A PASTA)
O Case Statement tem um nome chique para uma coisa simples. Consiste basicamente em ter, em um único lugar, uma pasta, todas as informações necessárias para uma campanha de captação. Desde informações históricas da entidade até modelos de carta de agradecimento.
Faz quase 10 anos eu explicava como montar um case statement. Considero isso desnecessário hoje, até por minha própria experiência prática. Cada ONG tem suas próprias informações que considera fundamentais. Antes usávamos a construção do case como ferramenta para organizar um planejamento para a captação. Com o tempo essa utilidade se tornou desnecessária. Existem ferramentas mais úteis para planejamento e podemos usar o case para sua verdadeira função, que é aglutinar, de forma facilitada, toda informação pertinente ao processo de captação.
Para facilitar ainda mais, vamos denominar o case como “a pasta”. Nesta pasta inclua primeiramente as informações institucionais. A história da organização, os objetivos, a missão da entidade. Adicione algumas boas fotos dos usuários, de alguns eventos, dos espaços da ONG. Coloque também os nomes e mini currículos dos conselheiros. Cada uma dessas informações estão soltas, ou seja, podem ser utilizadas em separado, caso seja necessário usá-las em uma negociação.
Inclua em um outro compartimento da pasta informações atuais. Os desafios para o próximo ano, os novos projetos, as estratégias com cada fonte. Inclua também modelos de solicitação enviados para fundações internacionais. Tenha cópias de solicitação de patrocínio para 3 categorias diferentes, com suas respectivas contrapartidas. Isso vai ser muito útil quando precisamos de um “Plano B” em uma negociação difícil. Tenha também o orçamento detalhado anual, assim como orçamentos de projetos e resumos orçamentários. Carregue nesta pasta também croquis de construções caso sua campanha envolva uma reforma ou um novo espaço.
Um terceiro compartimento contém coisas mais internas: Modelos de cartas de solicitação, de agradecimento, de newsletters e de contato. São materiais úteis quando você está em trânsito. Usei muito essas cartas escrevendo desde cafés com acesso a internet. Mesmo tendo hoje tudo isso de forma digital, nada mais útil do que ter esses materiais impressos em sua mesa, para enviar algum email específico e diferenciado.
Antigamente o case statement era uma espécie de projeto completo que ao final da reunião poderia ser entregue ao possível doador. Eu mesmo sugeria isso no meu livro anterior. Hoje, minha experiência prática me fez perceber que isso é desnecessário. É um gasto de tempo e papel. Transformei o case statement em uma pasta útil, tipo 007. Nela carrego tudo que preciso, junto com meu notebook e uns quantos folhetos da entidade.
Para mantê-la sempre atualizada, confira de tempos em tempos para ter sempre ao menos 2 ou 3 cópias de cada documento. Talvez você tenha deixado a lista dos conselheiros em uma empresa ou mesmo o croqui da reforma em outra.
No caso das solicitações de patrocínio com empresas, tenha cópias impessoais de solicitações. Mas leve sempre para sua reunião uma solicitação personalizada, com o nome do contato e se possível com o logo da empresa visitada. Nessa solicitação, de no máximo duas páginas (o ideal é em uma) deve constar um resumo da entidade, das ações atuais, da campanha e finalmente um valor concreto a ser solicitado e as contrapartidas oferecidas.
Organize sua pasta de forma a facilitar sua busca por determinado documento. Não pega bem você se perder no meio de papéis na frente do seu futuro doador. Use plásticos, ou separe os possíveis documentos a serem entregues antes de uma reunião.
Mas nunca, jamais, entregue tudo. O doador quer uma folha e é isso que você vai dar. Somente em alguns casos você deve se utilizar da pasta. São duas as possibilidades:
1. O doador se interessou muito por determinada informação (a história da entidade, ou o croqui, ou alguma foto)
2. O doador achou o valor solicitado muito alto. Então você sutilmente apresenta uma proposta previamente preparada, com um valor mais baixo (e conseqüentemente menos contrapartidas).
Somente nesses casos você tira da cartola o que ele precisa. Repito, somente nesses casos. Já vi muita gente que, no nervosismo, vai tirando informações, fotos, croquis, modelos… Achando que com isso está mostrando serviço. Está é mostrando nervosismo.
A pasta é seu instrumento de trabalho, algo pessoal seu. Cada um tem seu modelo e jeito de organizá-la. É como nossa carteira. Uns tem as fotos das crianças, outros tem as notas fiscais do mês. Use-a com parcimônia e verá que ela é muito útil.
Invista tempo em sua pasta juntando todas as informações pertinentes e economize tempo futuro.