PÍLULA ABCR
Nota do autor: Não se pode escrever um livro sobre captação de recursos no Brasil sem citar a ABCR, Associação Brasileira de Captadores de Recursos. E eu não posso escrever este livro sem citá-la, tendo em vista que fui Presidente da entidade. Ao mesmo tempo, tudo que poderia dizer a respeito você encontra no próprio site www.captacao.org.
Optei por colocar aqui algumas informações que considero importantes para a profissão de captador de recursos e a importância de existir para isso uma associação que os congregue. Utilizei trechos de uma longa entrevista que fiz para a Revista Filantropia. Alguns assuntos você vai perceber que já foram ou serão tratados no decorrer do livro. Mas não quis tirar o formato entrevista, que dá uma visão geral da ABCR e do meu envolvimento com ela.
A ABCR é muito pequena e singela. Somos basicamente um grupo de captadores que nas horas vagas nos encontramos voluntariamente para criarmos eventos e encontros com outros captadores. Nestes anos todos a ABCR teve altos e baixos. Ainda não temos, por exemplo um sistema completo de filiação. Temos que de tempos em tempos confirmar quem pagou a anualidade e enviar um email de confirmação e agradecimento. Digo tudo isso por três motivos. O primeiro é para me desculpar, caso você tenha sido um dos que não recebeu confirmação do seu cadastro. O segundo motivo é porque estamos precisando sempre de ajuda, posso contar contigo? E o terceiro e mais importante: Somos uma associação que vai crescer. Precisamos crescer. Falta muita coisa. Falta inclusive sermos reconhecidos como profissão no catálogo de profissões do Ministério do Trabalho. Falta mais profissionalismo, capacitação, troca de experiências, um censo brasileiro… Tudo são idéias fundamentais e grandiosas. E faremos as coisas do tamanho de nossas pernas. Antes de cobrar algo, ofereça ajuda. Somos poucos, por isso junte-se a nós. Como dizia minha avó espanhola: “Somos pocos pero juntos somos fuertes” Depois descobri que os Saltimbancos também diziam isso e não sei quem copiou de quem.
Estamos investindo bastante agora na capacitação profissional. Existem muitos cursos sendo realizados pelo Brasil. Eu mesmo realizo vários. Mas como entidade representativa a ABCR não poderia ser simplesmente uma organizadora de pequenas oficinas e cursos rápidos. Por isso estamos nos associando a uma entidade universitária para lançarmos um curso de especialização para captadores. O curso de 120 horas será o primeiro com conteúdo completo, dedicado a formar, de fato, um captador.
Um segundo passo é o de regionalizar a ABCR. Estávamos muito paulistanos ainda. Já temos núcleos regionais no Rio de Janeiro, Brasilia, Porto Aloegre, Porto Velho e Salvador. Esperamos abrir em breve outros núcleos em mais 5 capitais de estado. Esses núcleos servirão para realizarmos pequenos encontros com associados. Hoje somos um pouco menos de 700 associados, todos comprometidos com um código de conduta. Mais do que querermos milhares de associados, queremos associados comprometidos com uma ética profissional que contribua para uma sociedade mais justa através do fortalecimento de entidades que defendem causas.
Nossos principais parceiros internacionais são a AFP nos EUA e Resource Alliance na Europa. Estamos nos aproximando de associações similares no Chile e na Espanha. Diria que esse trabalho internacional foi o que de melhor se fez nas gestões anteriores da ABCR. Cabe replicar esse relacionamento com outras entidades aqui no Brasil. Temos interesse em nos aliarmos à ABEMD (Associação Brasileira de Marketing Direto) e ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) para realizarmos concursos de cases de fundraising entre empresas que doam recursos e agências publicitárias que apóiam entidades de forma pró-bono. Isso de realizar prêmios sempre estimula o setor e profissionaliza os envolvidos pela lógica da melhoria da qualidade através da concorrência saudável. Estamos realizando um excelente trabalho de aproximação com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para, juntos, podermos aprimorar e repassar conhecimento para o setor quanto a processos jurídicos envolvidos na captação. Estamos estreitando a relação já existente com Ethos e com Gife. Esperamos virar gente grande logo, como são todas essas associações citadas.
Nosso objetivo como entidade é claramente profissionalizar o setor. Diria que a falta de importância sobre a tarefa de captar recursos nas entidades ainda é predominante. Se você for visitar ONGS na Europa ficará maravilhado com os departamentos de captação de recursos, cheios de profissionais, divididos por setores, com campanhas para pessoas físicas, jurídicas, buscadores de recursos de fundações e governos, um enorme agito. Aqui no Brasil, infelizmente ainda estamos muito longe disso, tanto nas grandes ONGS como nas entidades de base (as chamadas grassroots nos EUA).
Minha opinião pessoal é a seguinte: Nós brasileiros temos uma certa vergonha de falar em dinheiro. Como se fosse algo sujo, um pecado. As entidades aqui, por sua vez, são em geral administradas na sua maioria por técnicos sociais e isso amplia ainda mais esse distanciamento da tarefa em buscar recursos para sua sobrevivência. Pensam antes no atendimento de qualidade a seu público alvo, mas pensam pouco em como continuar atendendo esse público. Sem contar que muitos ainda acham isso de ter que correr atrás de recursos quase um pecado. Prefeririam estar em suas entidades dedicando-se somente a atender seus objetivos sociais. Mas sou um otimista irreparável: Vejo que a profissionalização do terceiro setor caminha junto com a profissionalização da captação de recursos. Teremos boas histórias pra contar daqui pra frente. O ruim disso tudo: Milhares de entidades vão perecer junto com a defesa de várias causas… Ficarão as capazes de mobilizar aliados.
Em comparação com outros países, estamos engatinhando… diria que nem isso, estamos ainda na fase de amamentação. Pra falar sobre isso, teria que falar da história da captação no Brasil em perspectiva com a realidade americana e européia. Costumo dizer que nesse caso somos mais parecidos com o modelo europeu do que com os EUA. Como disse anteriormente, nós brasileiros falamos de dinheiro com vergonha. Já os EUA, desde que existem, falam de dinheiro sem sentimento de culpa. Lá qualquer cidadão se envolve com atividades sociais de forma pragmática: compra um brinde com a marca da ONG, ou vai a um jantar beneficente mesmo sendo muito mais caro, pois sabe que o lucro do jantar vai para determinada causa. Eles fazem assim porque seus pais, avós, tataravós, faziam assim. Eu comento nas minhas aulas que isso só ocorre porque os americanos sabem claramente o prazer que é doar e aprendem desde criança. Nós só seremos bons captadores se vivenciarmos a experiência de que doar é um prazer. Os europeus estão percebendo isso agora também, por isso gosto de acompanhar a trajetória do fundraising por lá, pois esse desenvolvimento se assemelha ao nosso em idade. Tudo é desafiador no terceiro setor. E captar não é exatamente um grande problema, pelo contrário é a solução para amainar os desafios das entidades. É a área meio que possibilita que as causas continuem sendo defendidas.
Um captador deve saber que captar recursos não é somente buscar capital. Digo sempre aos meus alunos que o objetivo é realizar a ação, o projeto. Para que isso ocorra, posso muito bem nem precisar mexer em dinheiro. Peguemos o exemplo de uma creche que precisa reformar o telhado: Posso conseguir as telhas de uma empresa, o cimento através de outra e a mão de obra juntando voluntários e os pais das crianças. Não precisei de capital, mas realizei minha ação de reformar o telhado. Então, as principais dificuldades são justamente saber dosar o mix de doações e isso envolve recursos financeiros, humanos, serviços, produtos, geração de renda… Um departamento de captação deve saber aliar todas essas tarefas.
É importante destacar que realizar projetos é uma das várias atividades do captador. Captadores inexperientes costumam cometer dois erros básicos para projetos para obtenção de recursos através de fundações internacionais: Um é a falta de clareza ao fazer um orçamento (geralmente não contabilizam recursos já existentes e isso implica em um erro que se não fosse cometido, demonstraria com clareza a contrapartida da entidade) e o outro é geralmente um excesso de otimismo na proposta. Vale mais a pena ser realista, mostrar as dificuldades que podem surgir, inclusive apontando e contabilizando isso. Fazendo dessa forma, o doador perceberá que quem fez a proposta é um gestor sensato e pragmático.
Já projetos de patrocínio tem outros erros básicos: Um é a postura do captador em uma reunião, em geral perdem oportunidades por falta de visão, olham o empresário com uma ganância momentânea e ao final não conseguem nada. O segundo pecado é decorrência desse primeiro: Por não privilegiarem o relacionamento e sim a busca de recursos imediatos, não conseguem gerar confiança no potencial doador.
A ABCR privilegia as pessoas, e não os projetos ou os departamentos. Somos captadores. Gostamos de pessoas. E em captação é o que se convêm chamar de pessoas físicas. Eu chamo de pessoas mesmo. Porque são elas que podem doar mensalmente seus 15 reais, mas também são as que aparecem no jantar beneficente e compram a rifa. E no ápice, são elas que assinam o cheque da doação de 100 mil reais pela empresa ou são elas que escrevem em um jornal falando bem de sua entidade. São as pessoas e o acúmulo delas através de processos de fidelização que garantem legitimidade a uma causa. Em segundo lugar vem as fontes de financiamento tradicionais: recursos de empresas, de fundações nacionais e internacionais, recursos de governos e a pouco difundida fonte de recursos chamada geração de renda (venda de produtos, rifas, bingos, eventos…)
Nós da ABCR defendemos claramente a profissionalização da captação de recursos através da criação de departamentos de mobilização dentro das entidades. Esses profissionais devem trabalhar para uma única entidade, assim como um gestor, uma pedagoga, uma secretária, o fazem. Não dá pra confiar em um captador que tenha em sua “carteira de projetos” um monte de causas. Fica esquisito. Imagina a cena: “Hoje tenho mico leão dourado e criança com câncer, qual vai querer, patroa?” não dá né? Um dos problemas é que existem muitos profissionais assim aqui no Brasil… Uma pena. Pois as entidades que dependem deles morrerão em breve, junto com suas causas.
Somos também partidários à transparência absoluta, não só das entidades, mas de governos, de políticos, de tudo que diga respeito a tarefas públicas. Minha opinião é que a partir do momento que entidades recebem recursos de governos, empresas e pessoas físicas, esse dinheiro passa a ser público e por isso deve ser demonstrado no site da entidade como se gastou, quanto sobrou, quanto falta, quanto custa.
Como Presidente da ABCR perguntam-me qual deve ser o perfil do profissional e eu digo que precisa ter B.O.: brilho no olho. O resto se consegue, vai-se atrás. Claro que fazer cursos sobre o tema ajuda, assim como ter grande curiosidade por pesquisar na Internet sobre as fundações, empresas, etc.
Nos estatutos da ABCR consta uma tarefa que será necessária realizar na próxima década, que é a de oficializar a profissão, que ela conste do código brasileiro de profissões. Isso é uma necessidade, ainda que não suficiente, mas uma necessidade. Pela ABCR pretendemos trabalhar por isso, assim como gerar uma formação que possa ser certificada.
O que é importante frisar por enquanto é o seguinte: Não é porque um captador é associado da ABCR que isso já o certifica. Cabe sempre a entrevista e a sintonia do captador com a causa que está contratando. Uma defesa que venho fazendo para entidades pequenas é a de que contratem recém saídos das universidades que tem o sincero interesse em crescer junto com a entidade. Isso permite que possam aos poucos ir recebendo melhores salários assim que a entidade passa a receber mais e melhores recursos. É uma forma saudável das entidades poderem começar seus departamentos de mobilização de recursos.
E sobre o afamado comissionamento: Da mesma forma que não faz sentido um captador “vender” mico leão dourado e criança com câncer simultaneamente, não faz sentido um captador reter parte de uma doação. Como você se sentiria ao saber que 10% do seu dinheiro doado para reformar o telhado da creche foram parar no bolso do captador? Você não preferiria que esses dez por cento se transformassem em telhas? E em nenhum momento estamos dizendo que só existe a comissão OU o voluntariado. Existe algo mais simples e clássico: a contratação como funcionário. Com isso o profissional recebe seu salário assim como a pedagoga, a enfermeira ou o gerente da entidade. Essa é a nossa defesa.
Para os próximos anos temos previstos os encontros com os associados assim como o primeiro curso certificado de especialização. Todas essas informações e seus andamentos podem ser obtidas no nosso espaço web, onde as pessoas podem se cadastrar para receber nossos informativos e ler o código de ética. Então passo de novo o link: www.captacao.org