Era 1990, eu estava em um show da Tina Turner e uma banda de pop rock espanhola no Estádio Olímpico de Barcelona. A renda daquele show iria para a defesa das florestas. Também comprei, numa tenda na pista do estádio, portanto dentro do show, uma blusa de moleton com o logo do Greenpeace. Adorei o show. Tina dança muito e canta melhor ainda.
25 anos depois estou escrevendo um artigo querendo te convencer que doação é um negócio incrível, que há um potencial enorme para essas jovens mentes recém saídas das universidades. Que para além do empreendedorismo social, os negócios sociais, investimento de impacto, etc, ainda há o bom e velho ato de doar, e que isso é fascinante, ainda que milhares de organizações façam disso uma coisa chata, sem graça, com cheiro de esmola, pra nos sentirmos com pena, tristes, culpados. E os resultados são obviamente desoladores. Tem um outro jeito de fazer.
Nesses 25 anos eu passei de um jovem frequentador de shows em Barcelona para um recém ex-conselheiro do Greenpeace. Em 25 anos trabalhei nos 3 setores (empresas, governos, ONGs). E só recentemente me caiu a ficha de que tudo estava escrito naquele show da Tina em 1990, ainda que eu não percebesse.
O que me fez comprar aquele moleton era que eu ficaria bem na foto com a menina que estava comigo. O que me fez ir no show que ajudava as florestas era que quem ia era uma banda local sensacional chamada El Ultimo de la Fila, rock andaluz da melhor qualidade. E de lambuja ganharia um show inesquecível da Tina Turner. Aquilo era cool, aquilo era sexy. Era muito mais bacana estar ali, aliando diversão e ativismo do que em outro lugar. Todos os jovens cool que eu conhecia estavam ali.
Em 25 anos os shows se profissionalizaram de tal forma que se ganhou em produtividade e perdeu-se em alma. E alma pode e deve fazer parte do negócio. O próprio Rock in Rio fez 30 anos, e ainda lembro da música e a ideia de que o mundo estava todo unido e o rock era a forma de juntar as pessoas. Hoje o evento é impecável, os fast foods funcionam perfeitamente, as bandas tocam com um som perfeito, nada de microfonia. E estamos todos juntos para… para que mesmo? Além dessa diversão insessante, da roda gigante colorida, das luzes piscando? Estamos juntos para nos divertir egoistamente enquanto tudo se destroi fora daquele oásis? Cadê a causa acoplada? Porque os roqueiros não falam mais de suas causas e só gritam coisas como Are you ready e Put the hands on?
Dias depois do Rock in Rio, no Central Park de Nova York, um show envolvendo Pearl Jam e Beyoncé envolve 60 mil pessoas para mobilização pelas novas metas da ONU e que em 2030 tenhamos um mundo sem miséria. É o GlobalCitizens. Valor do ingresso: zero. As pessoas tinham que fazer algumas atividades na web, como assinar petições e coisas assim e recebiam seu par de ingressos. Mesmo no centro do mundo (Nova York) parece que causa não combina com arrecadação. A ideia foi ótima, os artistas estavam lá engajados, mas é uma pena. Deixaram de ganhar milhões de dólares.
Do lado das Ongs, pelo menos uma parte delas, também se profissionalizou tudo, departamentos constituidos, prestações de contas bem feitas, justificativas, relatórios. Somos sérios, somos profissionais, adultos, não há espaço pra brincar nessa dificil e necessária tarefa de salvar o mundo. Temos que acompanhar os infográficos, relatar o que os governos não fazem, o mundo que se derrete, a culpa de todos nós. O doe por culpa virou um doe: é sua obrigação. Isso não é cool. E muitos preferem ajudar construindo empresas éticas, resolvendo os problemas do mundo. Vendendo mais coisas.
Os jovens de hoje parecem mais adultos que os jovens de 25 anos atrás. Minha filha de 17 tem um senso de responsabilidade que acho que não tenho nem hoje em dia. E sei que serão eles que salvarão o mundo, esse mundo cheio de erros cometidos por nós e nossos antepassados. Mas… poderíamos ainda ouvir um bom rock? Ou será que posso chamar novos doadores enquanto participo de uma corrida de 10k este domingo? Se uma ONG me convence a doar pra ela em troca de uma mochila (ou um moleton), ela seria menos séria, menos confiável?
Toda geração tem seus idealistas. Os da minha época éramos estimulados a trabalhar em ONGs, fiz isso em Barcelona e também aqui. Poderia ser um yuppie mas optei, assim como vários outros, a ganhar menos mas ser feliz, melhorando o mundo. Os jovens idealistas de hoje não vão pra ONGs. São estimulados em suas universidades a abrirem um negócio social, a trabalharem com investimento de impacto, a criarem um negócio que está resolvendo um problema social. Acho isso fascinante. Minha pergunta é: cadê a felicidade individual nisso tudo? É proibido? Minha blusa de moleton do Greenpeace era muito mais cool do que a blusa de moleton da Abercrombie da época . O show cujo mote era defender as florestas era muito mais sexy do que o show patrocinado pela cerveja.
E chegamos à pergunta do título deste artigo. E se o Business Model fosse uma doação? E se o objetivo fosse alcançar o máximo de doadores possíveis, independentemente da causa? E se me especializo em fazer os melhores shows do mundo e a renda vai para o Greenpeace, ou Médicos sem Fronteiras ou a creche da Vila Ré? E se me dedico a aprender com as técnicas mais clássicas e também as mais modernas de varejo, marketing, vendas, para atrair o máximo de público, para vender um livro, um show, uma experiência, um almoço, um leilão, um bicho de pelúcia?
Conheço organizações pelo interior que arrecadam 100 mil reais líquidos a cada leilão de gado que realizam. Shows de duplas sertanejas que arrecadam 250 mil reais. CDs vendidos por consultoras de maquiagem que arrecadam milhões de reais em 2 meses. Mas tudo isso é visto de forma confusa. É um negócio? Não! É filantropia! Ah, mas sendo filantropia todo mundo tem que trabalhar de graça. Não! Não precisa. Devo pagar o que deve ser pago, e o que for gratuito que seja muito bem vindo. A questão é: por que precisa ser um trabalho de graça (e as vezes ruim e mal feito)? É menos nobre se as pessoas forem pagas? Eu acho que não, oras. E sendo pagas, tem que gerar resultados ainda melhores.
Volto ao show de 1990. Ele era impecável, ninguém lá estava por pena, nenhum artista estava fazendo um show medíocre, estavam fazendo o seu melhor. O moleton era da melhor qualidade. Quem organizou aquele show sabia ganhar dinheiro, se cercou de gente que sabia fazer um show. O objetivo era arrecadar, ganhar muito dinheiro com tudo aquilo, mas aquilo era doação.
Eu fico dividido entre dois mundos, metade de meus melhores amigos, da época da escola, são quase todos executivos bem sucedidos que fizeram (e sabem fazer muito bem) dinheiro. Para suas empresas e para suas vidas. A outra metade de meus melhores amigos são ativistas incríveis, com uma noção clara do que falta pra melhorarmos o mundo, um senso de justiça, uma capacidade de articulação para mobilizar pessoas e projetos… mas são péssimos em conseguir dinheiro. Acham isso difícil, chato, vergonhoso. Alegam que a sociedade não está conscientizada, que estamos em crise, que não entendem a causa, blablabla. O fato é que não sabem e não querem conseguir dinheiro.
Vira e mexe algum amigo passa de um setor para outro. Aquele super executivo de banco resolve mudar de vida e passa a se dedicar a melhorar a educação no Brasil, ou cria uma ONG focada em crianças de rua, ou resolve virar ecologista. Mas parece que nessa mudança de setor, deixa lá do outro lado toda sua garra, capacidade de geração de dinheiro, foco, determinação… Parece que decidiu que ganhar dinheiro era errado e que agora quer sentar ao lado da Madre Teresa e de Gandhi.
Essa dicotomia é péssima. Eu adoraria encontrar pessoas com uma garra enorme pra conseguir dinheiro e que dedicassem esse dinheiro às causas que quisessem. Conheço alguns assim, claro. Estão bem empregados nas melhores ONGs nacionais e internacionais. Mas eu tenho certeza que existem milhares desses empreendedores. Falta perceberem que conseguir dinheiro tem tudo a ver com ONG, com atividade social.
O Business Plan de qualquer negócio objetiva o lucro, vendendo algo. Pra mim, um show ou qualquer produto cuja renda vai para uma causa, deve ter como foco a maximização de receita, o superavit, o lucro! Um doador recorrente não difere muito pra mim de um frequentador de uma academia ou de uma escola de idiomas. Paga todo mês, quer algo em troca, quer facilidade no pagamento, pode nos ajudar indicando outros… Portanto o business plan quando o assunto é financiar uma causa é a doação. E devemos tirar esse termo (doação) do pedestal. Passar a ser algo simples, corriqueiro, como pagar uma mensalidade do clube ou comprar um bicho de pelúcia. Feito isso, chamemos os empreendedores pra agir. Sobram doadores neste mercado, precisamos solicitar. E a doação virá.
Muitos acham que nosso cliente no terceiro setor é a criança ou o doente. Esse foi o grande erro das últimas décadas. Nosso cliente é o doador. Os públicos atendidos são nosso produto. Se eu educo bem as crianças, eu deixo meus doadores felizes (e a sociedade melhor). Sei que ao dizer isso, vários amigos meus do lado do social vão me questionar. Mas afirmo: Não está em jogo nossa vontade de fazer algo muito bem, o que está em jogo é o dinheiro que preciso pra isso, portanto meu cliente, quem me dá o dinheiro, é meu público alvo.
Se eu conseguir convencer pelo menos uma pessoa do mercado a vir pra este lado, trazer milhões pras ONGs, este artigo terá valido a pena. Será show!