
Neste episódio da saga sobre o Ecossistema Social eu achei importante detalhar algo que parece óbvio, mas pelo que tenho lido, não é. Um ecossistema inclui tudo, o bom e o ruim, a solução e o problema. Assim é a natureza. Até porque o problema de uns é a solução de outros. É sábia essa incrível natureza.
Nós, humaninhos, assim no diminutivo, para nos colocarmos na proporção correta desse vasto, vasto mundo, somos uma parte desse ecossistema, dessa natureza, desse planetinha. O pálido ponto azul, como dizia Carl Sagan*.
E neste mundo estamos nós, que nos consideramos os bons, e estão os outros, que nós os consideramos os maus. O outro partido, o outro time. Os ricos egoístas, os pobres preguiçosos, os poluidores, os traidores, os violentos, os ingênuos,os pretos, os brancos, as mulheres, os homens, os estrangeiros, os burros, os feios. Os outros são tudo aquilo que não somos. Ou mais precisamente: o que não gostaríamos de ser, muitas vezes sendo.
Ecossistema é um termo que me agrada bastante. E meu objeto de estudo. Muita gente começa a usar o termo de forma… posso dizer equivocada? Tenho lido sobre ecossistemas de desenvolvimento social, ou ecossistema de impacto positivo, ou até ecossistema de inovação social. Variantes dos usos mais exatos na biologia e ecologia. Variantes confusas.
Nesses ecossistemas que leio, encontro a incongruência principal: eles não incluem o outro. Se não incluem tudo, não é um ecossistema. Eu vou tentar explicar..
Lembro anos atrás os esforços que tínhamos alguns em explicar que não existe o autossustentável. Ainda vejo gente usando, mas bem menos. Porque não faz sentido usar esse termo? Por algo simples: isso não existe, é impossível. O que pode ser autossustentável? Uma árvore é autossustentável? Não.
Uma empresa é autossustentável? Claro que não. Ela precisa de compradores para existir. Uma família é auto sustentável quando consegue se financiar? Não. Conseguir se financiar não é sinônimo de sustentabilidade. ONGs se denominam auto sustentáveis quando não precisam de dinheiro do governo, mas precisam de outros dinheiros, portanto não são “auto” nada.
Enfim, está claro que não está correto usar o termo autossustentável porque absolutamente nada é auto sustentável neste planetinha. Nem o lagarto no deserto do Atacama, nem o monge no tibet nem a empresa que se acha o máximo. Nem eu, nem você.
Então ok, precisei usar o exemplo de outro conceito para explicar o que de fato quero explicar: um ecossistema é um tudo. Assim como autossustentável não existe, um ecossistema não pode ser de inovação porque as partes desse ecossistema não estão desvinculadas do resto do mundo de não inovação.
Um ecossistema de impacto (e aqui vários amigos vão virar a cara pra mim) é uma frase sem sentido. O que é isso, afinal? Onde estão as coisas que não geram impacto? Elas são do mal? Elas estão do outro lado da ponte? O que é impacto? Alguns começaram a chamar de impacto positivo, porque devem ter percebido que um ecossistema de impacto poderia ser um clube que incluísse os do impacto negativo. Iam se sentir no direito de se associar a isso. Com razão.
Aliás, a ideia de clube é uma boa forma de explicar a contradição. Um ecossistema não é um clube, não tem muros, não tem uma portaria. Está tudo lá, os bons e os maus, os que causam impacto e os que estão só dormindo. Todo mundo no ecossistema sem saber que aquilo é um ecossistema.
No fundo, a gente quer participar de clubes. Hoje em dia tem se dito bolhas. A gente já assumiu que vive em uma bolha, mas quer furar a bolha. Pero no mucho. Não a ponto de que sejamos todos uma grande mistura ecossistêmica para resolver a parada. Deixa que a gente resolve o problema daqueles outros ali, de fora do clube.
Então um grupo que se denomina pertencente ou estimulador de um ecossistema de desenvolvimento está, geralmente, desenvolvendo aqueles outros ali, aquele lugar lá.
Podemos seguir agora com o que de fato eu queria dizer hoje. A ideia de que é necessário pensarmos menos na nossa existência e mais na nossa coexistência.
Isso se aplica a grandes questões mundiais como as guerras ocorrendo neste exato momento, ou governos à direita e à esquerda animados com as ideias de segregação de muitos tipos.
O mundo que temos é um só. Tirando o Elon Musk e mais 4 doidos que acreditam que a solução é ir pra Marte, estamos aqui, precisamos resolver esta parada e enquanto ideias absurdas como extermínio não entrarem na moda, resta coexistir.
Coexistir para regenerar. Porque pensar sustentabilidade já está atrasado. Não podemos achar que sustentar esse modelo é suficiente. Não basta manter as árvores, temos que plantar mais árvores. Não basta manter esse modelo de convívio social temos que regenerar as relações sociais. E isso não cabe no discurso, cabe no indivíduo.
Regenerar a partir do meu conviver. Se eu não quero muros, não posso, ou não devo, promover muros. Não posso achar suficiente criar um grupo de impacto social, se sigo pagando mal a empregada. Um aumento daria um enorme impacto social a ela.
Não adianta, como dizia um muro que vi na Vila Madalena anos atrás: Faz ioga e não comprimenta o porteiro. Não faz sentido sermos tão legais assim nos nossos cantinhos. E não estou no modo hippie do paz e amor. A vida é complexa. O conviver é complexo. A gente quer que todo mundo seja feliz, mas não mexe no meu pedaço aqui ou te furo o olho.
Então, nessa complexidade, para além de lados, para além de certo ou errado, temos um planeta, um ecossistema só. Tá todo mundo junto e (pouco) misturado e a solução virá lenta e gradual, porque requer otimismo e a gentileza com o oposto.
Estamos todos errados, querendo acertar.
Nos próximos episódios não espere que eu traga soluções. Eu estou só tateando e passeando. Mas elas já estão ocorrendo, como uma massa de pão e suas químicas. Se você observar um ecossistema real, um bioma, o cerrado, por exemplo, o que verá e o que lerá a respeito: que está acabando, que o estão destruindo. E é verdade.
Mas o conflito entre os opostos é assim, de um lado do ringue, o que quer que tudo se mantenha intacto, como quando não existíamos. E do outro lado do ringue, o que quer explorar tudo que tem lá, terras, rios, minérios, tudo como um enorme lugar de extração egoísta, de uma mãe natureza infinitamente entregadora.
O ecossistema social e a somatória da natureza mãe com o filho mimado humano. Sem nós, humanos, a natureza está de boa. Mas estamos nós, como um câncer. Se os humanos se extinguem, adivinha? Natureza fica boa de novo! Mas se o ecossistema se intoxica, por nossa culpa, estragamos a natureza e nós morremos. Duplo the end.
Eu não sou economista, nem biólogo, nem político, nem empreendedor, nem cientista social. Nada do que eu venha falar aqui será muito revolucionário, até porque minha idade impede de acreditar em revoluções. A ideia é observar a natureza, aprender de uma zebra, observar vinhas escravizadas em ferros pelos montes da França. Ver cidades gigantes nos maltratando.
Mas ver também gentilezas urbanísticas, permaculturas acontecendo, convívios educados em podcasts. Esta fermentação está acontecendo, no meio dessas reações químicas assustadoras.
Não acho que eu tenha sido muito claro neste texto, mas pretendo acertar mais nos próximos.
E antes de refletir sobre o ecossistema social, cumprimente o porteiro.
Até o próximo episódio.
Marcelo Estraviz
* O pequeno vídeo do Carl Sagan sobre o ponto azul e um texto do Augusto de Franco, que muito me inspirou para falar sobre o tema de hoje foram postados com antecedência no meu grupo Links do Estraviz. Se quiser receber outros links que vão construir os próximos episódios, .o link é AQUI.