UM DIA DE CAPTADOR
Então é isso, vamos nos ambientar. Vamos construir uma mentirinha juntos. Vamos fingir que eu sou um captador da ONG Jovens Globais. Essa ONG não existe, ok? Mas, como todas as outras, tem projetos, programas, planejamento, metas de captação e metas de atuação, tem missão, valores… Enfim, é uma ONG cheia de desejos, realizando uma tarefa bacana, como tantas outras causas bacanas por aí.
Atuamos (viu como já entrei na história? Está acompanhando?) há quase 10 anos no bairro da Lapa (lembre-se, isto aqui é uma ficção) em São Paulo. Nosso foco é lidar com jovens de 14 a 18 anos, do próprio bairro e alguns deles são de bairros próximos. Na nossa história já passamos por muitas fases. Já quase fechamos, já recebemos muito dinheiro através de um convênio e depois percebemos o trabalho e a responsabilidade que isso trouxe. Já trocamos de dirigentes, de estilo, de formato, de sede. Enfim, nada muito diferente do que ocorre com tantas outras ONGs pelo Brasil afora.
Mas temos uma diferença em relação a muitas outras iniciativas: Resolvemos, faz três anos, criar o departamento de captação. Antes o captador era a nossa dirigente principal, criadora do conceito e da proposta pedagógica. Uma grande cabeça que teve a sabedoria de perceber que além de técnica, é preciso buscar aliados.
A dirigente da ONG que trabalho profissionalizou a gestão. Percebeu que seu desejo é atuar com os jovens, criar projetos, planejar, fazer palestras… Ela contratou um diretor executivo para tocar a entidade e quase simultaneamente um captador de recursos, no caso eu (ficção, lembra?). Ela é também presidente do conselho consultivo e diretora de programas.
O dia a dia da entidade é tocado pelo diretor executivo, que também elabora o planejamento estratégico junto com a equipe, que apresenta por sua vez ao conselho. Eu, com o planejamento estratégico em mãos, elaboro os planos de captação de recursos.
O primeiro ano foi meio confuso, cada um não sabia exatamente o espaço do outro. Às vezes me meti no plano estratégico, às vezes a fundadora meteu o bedelho no trabalho do gestor antes mesmo do planejamento ser finalizado e apresentado a ela e ao conselho. O segundo ano foi mais tranqüilo. Houve só uma questão adicional que vou descrever mais pra frente: pela primeira vez fizemos um convênio com o governo. E isso alterou substancialmente a dinâmica da entidade, para o bem, mas com certeza de forma mais complexa.
Como nosso objetivo é diversificar as fontes de financiamento, enfrentamos o desafio e estamos agora, no terceiro ano de departamento de captação de recursos, no meio de uma campanha anual de captação. Também tenho um assistente, que me ajuda no dia a dia do convívio com os apoiadores. E já estamos planejando que ele atue em uma campanha específica comigo: a construção de um espaço maior em um terreno que recebemos como doação no INSS.
É o primeiro ano que tenho assistente. Os dois primeiros atuei sozinho (claro que com o apoio do gestor e da fundadora). Na verdade tive também uma ajuda nos primeiros 6 meses de uma consultoria de desenvolvimento institucional e eles já estavam atuando com a entidade 6 meses antes. Sua missão era a de auxiliar a entidade a montar um departamento, selecionar um profissional, capacitar, acompanhar os primeiros seis meses e sair. Consultoria boa é aquela que se torna dispensável e foi o que fizeram. Souberam fazer seu trabalho e saíram como foi combinado, com o departamento montado e estruturado.
Meu objetivo de longo prazo como captador nesta entidade é o de ter um departamento com cinco áreas: captação de associados, captação com empresas, relação com governos e fundações, organização de eventos e por fim ativação de voluntários.
Claro que isso levará tempo e o crescimento da entidade irá criar as condições para o crescimento do departamento. Até pouco tempo atrás eu fiz um pouco disso tudo. Atualmente, tendo captado mais recursos para a entidade, pudemos contratar um assistente. Já estamos treinando também um estagiário de comunicação para assumir, se assim ele desejar depois de formar-se, a captação com indivíduos. No futuro, tenho certeza, teremos um departamento forte, espelho de uma entidade e uma causa fortes.
Mas vamos lá, que hoje tem muito trabalho. Minha agenda está assim:
08:30 – Reunião com o apoiador Antonio Segur, diretor da Jovial.
09:30 – Reunião com o meu assistente sobre prospects e o projeto da fundação alemã.
11:30 – Reunião com Josefina Miranda, amiga de um conselheiro.
12:30 – Almoço talvez livre (depende da Josefina)
14:00 – Reunião com o estagiário sobre a nova newsletter
15:00 – Hora livre (livre nada… hora dos emails)
16:00 – Reunião com as voluntárias organizadoras do evento da noite
17:45 – Reunião com Pedro Salinas, empresário do bairro.
20:00 – Jantar beneficente da nossa entidade.
Saio de casa bem cedo, já com minha pasta, que antes chamava de case statement, mas hoje chamo de pasta mesmo. Levo meu notebook, tenho folhetos da entidade e a proposta de uma página para apresentar para o Antonio. Está tudo aqui, espero não pegar muito trânsito.
Antonio é um parceiro de vários anos. Sua empresa atua no ramo têxtil para jovens, fica no mesmo bairro e principalmente, ele é amigo de infância da fundadora. As primeiras reuniões comigo eram meio frias. Ele preferiria conversar com sua amiga a conversar comigo. Eu disse a ele que ele poderia ligar pra ela quando quisesse, inclusive para fechar as doações. A minha entrada na entidade era para auxiliá-la justamente com a enorme quantidade de apoiadores como ele, mas que eu sabia que para a fundadora, o Antonio era especial, por ser amigo e ser um dos primeiros a apoiá-la. Percebi que quando disse isso ele abrandou. Começava uma nova amizade. Hoje administro o problema contrário, é a fundadora que reclama comigo que o Antonio fala mais comigo do que com ela.
Eu gosto de conversar com o Antonio. Costumamos marcar sempre na primeira hora da manhã, quando nem ele nem eu começamos de fato a rotina do dia. Algumas vezes marcamos em um café ao invés de ser em seu escritório. Desta vez me pediu que eu fosse ao escritório pois teria uma reunião logo a seguir por lá. Eu aceitei imediatamente. Eu quero conversar com ele sobre a campanha deste ano. Ousei um pouco e pedirei a ele quase o dobro do que sua empresa costuma doar anualmente. Mas não fiz isso ao acaso. Tenho acompanhado o crescimento da empresa do Antonio. Estão agora exportando, ampliaram o número de funcionários em 50 por cento. Na última vez que vi o Antonio ele estava partindo de férias para a Nova Zelândia. Outro fator que me faz acreditar que ele topará doar mais este ano foi a enorme cara de alegria que demonstrou ao visitar-nos e ver em destaque sua foto com os jovens do grupo de grafitte. Ele relembrou aquele sábado e como se divertiu aprendendo com eles a grafitar os muros da sua fábrica. Estava até com o boné pra trás na foto. Esse boné diz tudo. Ele vai doar mais este ano.
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