PILULA – CONVÊNIOS COM GOVERNOS
Eu sempre recomendo que as ONGs estabeleçam relações com governos em qualquer das 3 esferas. Primeiro porque é uma forma concreta de confirmar aquilo que acredito em relação ao terceiro setor: somos projetos piloto de futuras políticas públicas. Relacionar-se com o governo é receber um choque de realidade para questões mais universalistas. Enquanto estamos cuidando de nossas 100 crianças achamos que fazemos algo bom, mas quando percebemos que um governo deve cuidar de milhões, a coisa fica realmente mais difícil e sim, perde e muito em qualidade. Tenho uma crença de que se houvesse mais parceria entre a sociedade e os governos, melhoraríamos muito. A diferença é que gastamos por exemplo, 300 com nossas crianças, o que é muito. E o governo gasta 7, o que é pouco. Se fizermos um convênio no valor de 30 com cada criança estamos estabelecendo um pacto que diz: “Eu tentarei daqui fazer o melhor que posso com seus 30. Você garante aí que me pagará em dia. Eu irei atrás de mais recursos, você promete que tentará me pagar mais a cada ano por cada criança. Nosso pacto é esse.”
Outro motivo que me faz crer na importância de se ter convênios com governos é que se você não fizer, outros já estão fazendo. E fazem mal. Ou fazem pouco, ou fazem assumindo valores ridículos. E isso gera uma continuidade da miséria. A própria entidade é miserável. São entidades que tem na verdade um depósito de seres humanos, recebem em troca disso uma miséria. Um eterno ciclo de miséria.
Tenho visto em meus cursos uma quantidade ainda significativa de entidades que vivem principalmente com recursos governamentais. É o contrário do que eu estou sugerindo aqui. São as outras. São entidades que ou mudam ou morrem. É mais uma herança maldita, desta vez, das antigas freirinhas das santas casas. Elas criaram um modelo sempre deficitário, sempre pobre, cuja única virtude era talvez um lugar no céu. Hoje as freiras atuais vão bem, obrigado. As santas casas já têm convênios mais dignos e equipes de gestores profissionais. Mas a herança está dada. São milhares de entidades esparramadas pelo Brasil. Creches, asilos, abrigos. Centenas de milhares de pessoas sendo atendidas de forma insuficiente com recursos insuficientes do estado.
As intenções dessas milhares de entidades são honrosas. Conheci muitas senhoras simpáticas, bem intencionadas e realmente preocupadas com um atendimento digno. Mas elas sabem que entraram em um vespeiro e agora está difícil sair dele. São pessoas tão cheias de compaixão pelo próximo que antes de conseguir mais dinheiro, já colocaram mais 5 crianças na creche. Participam de cursos, buscam alternativas, mendigam por patrocínios, são as madres teresas das crianças e idosos.
Fiquei muitos anos tentando encontrar soluções para essas pessoas de bom coração. Fizemos capacitações em massa para entidades de base, as grassroots, como chamam nos EUA. Junto com o SENAC capacitei 500 entidades em 6 meses. Fiz palestras voluntárias para regiões de São Paulo que comportavam dezenas de entidades sociais conveniadas com o município, fiz oficinas para os gestores de todas as creches em São José dos Campos, capacitei ONGs no Tocantins, Santa Catarina, Bahia, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Ceará, Brasília, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e Pará. Todas as grassroots têm os mesmos problemas: excesso de dependência de recursos governamentais e um coração do tamanho de um bonde. Preferem antes assumir uma nova criança a fazer isso somente depois de conseguir mais dinheiro. Essas entidades associam crescimento em receita a aumento de atendimentos. Se 100 crianças geram um convênio de 20 mil, então iremos atender 200 crianças para recebermos 40 mil. Só que 40 mil é insuficiente para 200 assim como 20 mil já era insuficiente para 100 crianças. E isso eles desconsideraram sempre. São aquelas entidades que dizem: Atendíamos 100, agora atendemos 200 e queremos chegar a atender 400. É como se torcessem por mais miséria. Um ciclo vicioso impressionante.
Consegui delas ao menos uma promessa em minhas oficinas: Que em 5 anos reduziriam essa dependência. Que focariam em triplicar as receitas e que por enquanto parariam de querer crescer sempre. Pedi e sempre peço que foquem em atender cada vez melhor essas 100 crianças e que ao invés de 20 mil obtenham mais 40 mil com outras fontes complementares. Desta forma os recursos governamentais deixam de ser quase 100 por cento e passam a representar somente um terço dos recursos. E isso é mais sustentável. E as crianças terão um atendimento mais caro, que deve significar, em uma gestão profissional, de muito mais qualidade, com profissionais mais capacitados, com salários melhores, com equipamentos decentes. Enfim, uma tentativa de sair do ciclo da miséria.
Muitas senhoras saíram dos meus cursos bastante esperançosas com o novo desafio. Infelizmente encontrei-me com muito poucas delas novamente. Das que encontrei, a maioria ainda vivia as agruras dessa dependência governamental, mas estavam mais ativas, haviam criado novas frentes de arrecadação, bingos, eventos, até alguns patrocínios. Estavam esperançosas, se via em seus olhares cansados. Havia mudança aí.
No caso das creches, que estão atreladas a recursos da educação, eu vejo esperança nos milhares de municípios brasileiros. Conheço prefeituras que pagam 200 reais por criança por mês com ONGs conveniadas. Tais creches tem equipamentos dignos e profissionais satisfeitos, geram crianças com brilho nos olhos. São nosso futuro promissor.
Mas em contrapartida, existem municípios que pagam 7 reais por uma criança em uma creche… Ou valores similares para entidades cuidarem de idosos. Não acho que só o governo é culpado por isso. Culpo também as entidades que aceitam essa situação degradante para eles, como gestores, e conseqüentemente para seus usuários, que convivem mal e porcamente nesses depósitos de seres humanos.
Mas eu sou um otimista inveterado.
Convênio com governo é uma aposta na crença de que fazemos futuras políticas públicas em substituição às velhas políticas públicas.
PILULA CONSELHO CONSULTIVO
Uma coisa muito mal aproveitada aqui no Brasil é o conselho consultivo. Mais uma herança maldita, desta vez, da legislação brasileira, que obriga entidades a criarem seus conselhos fiscais. Quando pergunto como está composto o conselho consultivo de uma entidade, as pessoas começam a explicar-me sobre o conselho fiscal. Um conselho fiscal no estatuto gera nomes pra inglês ver, uma espécie de obrigatoriedade sem utilidade. Eu explico que se a lei obriga, pois cumpra-se. Mas façamos mais.
O que devemos montar o quanto antes é um conselho consultivo, que serve justamente para isso, para consultarmos. Não é para abusar nas consultas. Devemos convocá-los uma vez, no máximo duas vezes por ano. E essa reunião deve ser tratada com cuidado, pompa e circunstância. Isso é bom para os conselheiros sentirem-se importantes (o que de fato são) e porque agrega um componente fundamental para as organizações: a escuta da sociedade, do mundo exterior.
Estamos muito habituados a ficar fechados em nossos muros institucionais e os conselheiros nos trazem a realidade do mundo lá fora, além de oxigênio quando estamos muito viciados em um mesmo modelo.
Algumas entidades criaram conselhos científicos. Acho excelente e apóio. Mas não é a mesma coisa. Um conselho científico é fundamental para garantir qualidade técnica para determinadas causas. Isso dá reconhecimento para as entidades no momento da captação, mas não basta. Cabe perfeitamente termos um conselho científico e também um conselho consultivo. Cada um com sua função.
É importante destacar que um conselho consultivo não serve só para a captação de recursos. Os gestores de uma entidade podem usá-lo muito bem, mas destacarei aqui somente as funções que tem a ver com a captação.
A montagem de um conselho é um trabalho artesanal. Não há necessidade de ser montado de uma só vez. Reforço que somente o conselho fiscal é uma obrigação jurídica. O conselho consultivo (assim como o científico) são decisões da gestão e não obrigatórias. Sendo assim, podemos criar uma política de atribuições dos conselheiros e um modelo de gestão para o conselho consultivo. Tudo isso deve ocorrer naturalmente, de acordo com o crescimento da entidade e a consciência dos gestores em saber usar bem seus conselheiros.
Eu sou conselheiro de algumas ONGs e confesso que me sinto pouco usado por elas. Poderia ser mais útil, se me demandassem. Com uma delas eu tenho construído junto com o gestor uma política de desenvolvimento do conselho consultivo. Tem sido um trabalho muito prazeroso e que com certeza gerará subsídios para que eu possa aplicá-los em outras instituições.
Mas como montar um conselho? Eu tenho uma fórmula. Não é minha. Li em algum texto americano e perdi a fonte, infelizmente. Uso essa fórmula nas minhas aulas e elas têm gerado sucesso, além de algumas gargalhadas. Explico. Eu uso a mesma equação da sustentabilidade das fontes: três terços de tipos de conselheiros. Um primeiro grupo é o dos ricos. É importante ter gente rica em nossos conselhos porque eles tem 2 grandes qualidades. A primeira é que eles são ricos e a segunda é que tem um monte de amigos ricos. Essa é a hora da gargalhada em minhas aulas. O segundo grupo deve ser constituído por gente famosa. Gente que aparece na TV ou na revista Caras. Artistas prioritariamente. Evite os políticos porque isso pode gerar conflitos de interesse. Nós queremos arrecadar de gente de todos os partidos e não somente de uma coloração política. Tenha políticos somente se consegue compor com uns três ou quatro de partidos diferentes e opostos. E isso não é fácil. Mais fácil é encontrar artistas que de uma forma ou de outra tem algo a ver com sua causa. Vá atrás deles e saiba que eles prontamente te atenderão. O terceiro grupo de pessoas é o tipo mais comum: nós. (outro momento de riso em minhas oficinas). Nós não somos ricos nem famosos, mas trabalhamos por uma causa. Inclua nesse grupo os fundadores, um ou outro acadêmico dedicado ao tema (se você não tem conselho científico), aquela voluntária da alta sociedade que organiza muitos eventos para a ONG e aquele líder comunitário do bairro da entidade.
Um conselho consultivo deve ter de 6 a 20 pessoas. Mas esse número é a critério da entidade. Eu fiz consultorias para entidades que tinham 80 conselheiros. Isso já é improdutivo. Como era uma entidade antiga, eles iam adicionando conselheiros sem tirar alguns. Outras entidades tinham três conselheiros. Isso não dá nem um jogo de buraco em duplas. Precisavam mais gente, para ter ao menos dois ricos, dois famosos e dois normais. São os seis iniciais.
Não há problema em tirar um conselheiro que você vê que não está sendo útil, desde que isso seja combinado previamente no início da gestão de um conselheiro. Eu recomendo que eles tenham mandatos de 3 anos. Não todos ao mesmo tempo, pois dá trabalho mudar todos os conselheiros de uma vez. O ideal é ir repondo conselheiros aos poucos. Não existe um número fixo. Você pode ter um conselho composto por 10 pessoas no ano passado e 12 este ano. E 8 no ano que vem. Como não é algo que consta necessariamente do estatuto, você define o formato. O importante é criar uma boa sopa com os ingredientes necessários e ir temperando.
As reuniões de conselho devem ser minuciosamente estudadas pelo responsável por elas. Você deve criar uma reunião que permita uma interação entre os membros, que gere um ambiente amigável e virtuoso. O presidente do conselho e o gestor principal da entidade devem abrir a reunião apresentando rapidamente os membros novos aos membros antigos. E devem fazer isso informalmente, criando um clima de camaradagem. A seguir apresentam a pauta e o horário de término de reunião. Não deve durar mais que 2 horas, no máximo 3. Os conselheiros são todos voluntários e por isso não devemos cansá-los. A seguir vêm as apresentações. Convoque alguém de sua entidade para anotar todas as dicas e sugestões dos conselheiros. Para isso serve a reunião.
Nas reuniões onde o tema é o plano de captação, o captador apresenta em poucos tópicos a estratégia. Ele foi precedido pelo gestor que apresentou as atividades do ano que vem. O captador apresentará a seguir as ações para a captação de recursos que serão necessárias para a realização das atividades da entidade.
O enfoque da reunião é fortemente captador. O objetivo é conseguir que alguns dos próprios conselheiros já se comprometam ali mesmo a doar algum valor. Quando auxilio entidades nessas reuniões, costumo conversar dias antes com algum conselheiro que em geral se compromete a ajudar. E peço a ele que declare seu apoio na frente dos conselheiros na reunião. É uma forma de estimular os demais a mexerem no bolso.
Já participei de reuniões onde os conselheiros se comprometeram com mais da metade da meta de captação. Porque além dos próprios conselheiros, estes têm amigos. O objetivo é sair da reunião com um real comprometimento dos conselheiros em conseguir os recursos e não somente aquela coisa do tipo: “Ah, você pode falar lá com a empresa xis”. Quando disserem isso, você deve rapidamente dizer: “Você me ajuda a conseguirmos 50 mil reais com a empresa xis?” Ou ele se esquiva ou se compromete ali mesmo, na frente dos outros.
Aliás, esse é um dos grandes baratos das reuniões de conselho. Quando você tem um grupo bem equilibrado com os três terços, os ricos, pra fazer bonito, querem mostrar aos artistas que tem dinheiro e doam ali mesmo. Os artistas, por sua vez, com sua capacidade de mobilização, comprometem-se a conseguir mais dinheiro fazendo um show ou evento. Os ricos, retrucando, dizem que vão conseguir mais dinheiro com amigos. Os normais (aqueles nem artistas nem ricos) se comprometem a organizar novos eventos arrecadadores. Eu adoro reuniões de conselho. É uma arte que ainda não assimilei completamente, quero aprender muito com isso. Espero ver florescerem mais conselhos consultivos para vermos juntos essa competição por quem ajuda mais.
Os conselhos consultivos são ferramentas quase inexistentes no Brasil e altamente captadoras. Junte em uma sala um grupo de ricos, de artistas e de ativistas e veja os resultados.
PILULA BASE DE DADOS
Muitos me perguntam qual a melhor base de dados ou software de relacionamento com doadores e potenciais doadores. E eu respondo que não sei. Mas para não encerrar aqui esta pílula, posso dizer que o que recomendo é que não gastem uma pequena fortuna com alguma “super base de dados hiper plus big”.
Eu ainda sigo as lições que aprendi com o dono da mercearia de perto de casa quando eu era criança. Ele sabia nossos nomes, dava pra minha mãe todo ano um calendário (muito feio por sinal, mas que minha mãe adorava e pendurava na cozinha) e sabia que eu gostava de Bolachas Mabel e meu irmão gostava de Biscoito de Maisena Tostines. Eu, uma criança de 8 anos, achava aquele senhor de bigode e sotaque estranho uma espécie de Papai Noel que sabia o nome de todas as crianças.
Um dia ele me mostrou uma cadernetinha surrada com a espiral de metal bem amassada. Estava cheia de números e rabiscos incompreensíveis. E logo nas primeiras folhas ele me mostrou o nome da minha mãe e ao lado um garrancho que ele traduziu: “Sua mãe gosta de sabonete Lux Luxo”. Eu aparecia logo abaixo, ao lado do nome do meu irmão. Para mim, Mabel, para ele, Tostines Maisena. Estava escrito com canetas de cores e tons variados e ele me explicou que foram situações diferentes em que ele anotou aquilo. Contou que uma das primeiras coisas que anotou foi meu nome, ao ouvir minha mãe me chamar. E soube do meu gosto por bolachas Mabel porque eu que trouxe o pacote para o caixa quando minha mãe já estava encerrando a conta. Morria ali o Papai Noel da mercearia, mas nascia também um mestre de tantos que conheci neste mundo das pessoas simples e sábias.
De nada adianta uma super base de dados se você nem a usa ou simplesmente coloca informações burocráticas. E recomendo sempre que você comece com fichas. Isso mesmo. Essa coisa antiquada chamada papel que você recorta em retângulos e anota os nomes das pessoas. Depois de certo uso e muitos rabiscos (não tenha medo de rabiscos) e se você se sentir a vontade, migre para um Excel ou direto para um Acess. São sistemas do Office que servem para muitas coisas. O Acess é o programa correto para criação de bancos de dados, pois o Excel é na verdade uma planilha de cálculo. Eu particularmente uso muito o Excel. Gosto mais do que o Acess. Sou da velha guarda, usei muito o D-Base, a versão pré-histórica do Acess. Quando surgiu o Windows, preferi ficar brincando nas planilhas de cálculo e não consegui acompanhar a evolução para o Acess.
Cheguei a usar softwares de relacionamento estrangeiros, mas confesso que os campos que mais usava eram os em branco. Adoro anotar dados que não se encaixam em nenhum outro espaço: Nome da filha da secretária, data de nascimento do contador da empresa, raça e nome do cachorro do presidente, etc. Cheguei a montar em Acess bases de dados com os campos mais esdrúxulos. Mas concluí que não preciso saber todos os nomes de todos os cachorros de todos os presidentes. E concluí que esse tipo de informação é avulso. Sobre uma empresa, saber o nome da filha da secretária é importante, para outra é bom saber que o presidente joga golfe todos os sábados de manhã. Nada substituiu até hoje a lógica da caderneta do dono da mercearia da minha infância.
Já em relação à gestão da captação, costumo sugerir softwares que se integrem aos aplicativos feitos para a área financeira e contábil da ONG. Existem entidades que recebem como doação de algum empresário algum sistema super integrado de gestão. Eu ligo para essas empresas doadoras e peço aos seus departamentos de tecnologia que desenhem mais umas linhas de código para o setor de captação. Em alguns casos há até a possibilidade de incorporar a própria base de dados a isso. Só reitero: não se iluda com as maravilhas da tecnologia. O que faz uma base de dados ser útil é o seu uso.
Outro patamar de uso de bases de dados é quando uma entidade decide captar recursos com indivíduos. Até um número de mil nomes dá pra usar o Excel (eu uso para oito mil, mas como já disse, sou um pré-histórico). Acima disso recomendo sistemas mais parrudos. Recentemente fiz uma consultoria para uma entidade no interior de São Paulo e descobri que eles usavam uma base Oracle que é o que há de mais avançado e sólido para grandes empresas. E eles nem davam bola pra isso. Anotavam algumas informações básicas e nem tinham um histórico completo de doações de cada indivíduo, uma pena.
Fiz alguns testes. Eles tinham mais de 40 mil cadastrados na base. Queria mostrar como se podia fazer bom uso de uma base se você tem criatividade. Gerei três relatórios. O primeiro era quem tinha doado mil reais ou mais no último ano. O segundo relatório era pra saber se havia uma correlação. De um lado as doações em uma cidade em uma determinada semana. Do outro um leilão de gado com recursos revertidos para essa entidade, realizado nessa mesma cidade. O terceiro relatório era simples. Selecionei um doador qualquer e puxei seu histórico de doações.
Mostrei esses relatórios para o gestor de captação da entidade. Mas fui mostrando aos poucos, fazendo algumas perguntas. Perguntei: “Quanta gente você acha que doou mais de mil reais este ano para a entidade?” Ele respondeu rápido “Ah, no máximo umas 3 ou 4 pessoas”. Pois eram 45. Ele não havia contado pessoas que fizeram doações de 200 reais mensalmente durante 6 meses, nem havia contado com outras pessoas que doavam diretamente sem passar por ele, depositando diretamente na conta corrente da entidade. Falei a ele se essas pessoas receberam alguma carta de agradecimento e ele me respondeu que todas recebem sempre que doam. Então fiz uma aposta com ele. Enviaríamos para essas 45 pessoas uma carta especial, em formato de certificado, se possível em dourado. E diríamos que estávamos muito felizes em saber que eles eram contribuintes tão assíduos e valorosos. E que estávamos solicitando a eles e só a eles, pois eram especiais, uma contribuição de 2 mil reais para que pudessem fazer parte do Hall da Fama de nossa entidade, como doadores platina. Eu disse a ele que apostava que ao menos 20 desses 45 iriam contribuir. Isso geraria uma renda extra de 40 mil reais de uma só tacada. Ele riu da minha cara, mas ficou de fazer a carta.
O segundo relatório mostrava a correlação entre doações e leilão. Ambos sabíamos que havia um maior número de doações nas datas próximas ao leilão. Mas observamos juntos como existia um resquício, como um eco posterior ao evento. Pessoas doavam muito no dia do evento, bem menos no dia seguinte, um pouco menos no terceiro dia, e isso ia reduzindo, até basicamente se extinguir depois de uma semana. Esse eco de doações poderia ser melhor aproveitado. Pedi a ele que no próximo leilão de uma outra cidade, fizesse um acordo com a rádio local e que também deixassem uns cartazes nos mercados e bares falando algo como: “Não é porque o leilão acabou que você vai deixar de contribuir conosco. Mantenha nossa chama acesa e deposite na conta xx/z” Apostei com ele que isso aumentaria ao menos 50 por cento as doações posteriores ao próximo leilão. Ele riu menos dessa vez e anotou a tarefa.
O terceiro relatório mostrava o histórico de doações do senhor fulano de tal. Obviamente o gestor não conhecia o fulano. Era um simples doador de 30 reais semestrais. O sistema mostrava o histórico desde que o sistema havia sido instalado, mas eu acreditava que o fulano deveria ser um contribuinte bem antigo, pois era pontual em suas doações. Quanto mais tempo temos um doador, mais disciplinado ele é, pois a doação passa a fazer parte de sua rotina, às vezes até colocam a doação como débito automático em conta.
Fiz umas contas de cabeça. Se ele doa 60 reais por ano e deve fazer aproximadamente 5 anos que doa, isso já são 300 reais. Com mais duzentos ele seria um doador de 500 reais. Perguntei ao gestor: “Que tal darmos um CD comemorativo da entidade a quem nos der mais de 500 reais?” Ele respondeu que sim, era uma boa idéia. Mas eu acho que ele estava pensando ainda no pessoal do primeiro relatório e eu queria fazer uma surpresa pra ele.
Liguei lá mesmo, naquele instante, pro fulano. No histórico constava seu número de telefone. “Senhor fulano, aqui é o sicrano da entidade Beta, tudo bem? Queremos dar um CD para o senhor. Posso enviar-lhe uma proposta para doar-nos 50 reais por semestre ao invés dos 30 que doa atualmente? Preciso só que o senhor se comprometa a fazer isso por 2 anos e receberá em poucos dias o CD, que aliás está incrível” Ouvi um sim do outro lado, agradeci e olhei pro gestor, que estava com cara de dúvida. Ele me perguntou se eu estava louco. Porque dar um CD para aquela pessoa se ele se comprometeu a 50 reais e não a 500? E eu respondi que ele já tinha dado 300, como mostrava o histórico. E com mais 4 semestres doando 50, chegaríamos aos 500 combinados. Ele riu alto provavelmente já imaginando que iria perder as outras apostas.
Uma tendência nova para as ONGs brasileiras, mas muito antiga no Marketing Direto, é o conceito de Life Time Value. Valor do tempo de vida é o cálculo que podemos fazer ao definir quanto cada doador pode contribuir enquanto se relaciona conosco. Ao invés de definir o valor de uma doação, devemos definir o valor da somatória das doações que foram feitas e as que serão feitas no futuro. Com isso podemos calcular melhor nossas estratégias de investimento com cada doador. Posso por exemplo dar um CD, pois sei que esse doador dará muito mais do que o CD se eu fidelizá-lo. E tenho certeza que o senhor fulano doará por muito mais tempo do que os dois anos combinados por telefone. Aquele CD o fez sentir-se valorizado. Continuará doando e falando pra mais pessoas como a entidade é bacana.
As ONGs internacionais que estão pouco a pouco aportando aqui no Brasil já trazem esse conceito de LTV (Life Time Value) em suas estratégias de captação de indivíduos. Há vários anos atrás, conversando com um gestor do Greenpeace, ele me explicou como a estratégia para novos associados brasileiros tinha um custo tal que, na verdade, só a partir da sétima parcela o doador estava de fato gerando receita positiva. As seis parcelas iniciais estavam cobrindo os gastos para a obtenção daquele associado. Gastos com correio, folhetos, brindes, camiseta, etc. Outras ONGs que chegaram mais recentemente ao Brasil têm me falado de um custo de mais de 100 dólares para cada novo associado. Isso representa em alguns casos quase 2 anos recebendo doações que ainda estão para cobrir os custos da operação. Só a partir do terceiro ano o doador de fato está contribuindo para a causa da entidade.
São casos assim onde recomendo softwares de gestão de relacionamentos que permitem criarmos algumas ferramentas tanto de cálculo como de administração de custos com brindes. Eu só aviso que tentem fazer sistemas informáticos abertos pois sempre tem um relatório novo que você pode criar e se você compra um sistema fechado ele engessa sua criatividade e conseqüentemente sua captação. Invista em sistemas quando já está disposto também a investir em brindes (canecas, camisetas, agendas).
E porque todo esse investimento? Porque também está provado que doadores são muito fiéis. No prazo de um ano existem muitas desistências, mas depois desse prazo é muito raro haver desistência em massa. E mesmo que saiam 3 ou 4 doadores, entraram outros nesse período. Por isso podemos afirmar que existe quase sempre um crescimento orgânico positivo, de doadores pessoa física, sem fazer muito esforço. O esforço está em conseguir os primeiros mil, o período mais difícil.
Outro dado importante a se observar e é uma informação bem recente que recebi: enquanto muitas empresas estão cancelando seus patrocínios a projetos sociais em virtude de uma propalada crise, os doadores individuais permanecem fiéis. Várias ONGs tem me confirmado isso e é um dado para você levar em consideração em sua próxima campanha de captação. Milhares de indivíduos geram alguns milhares de reais de forma constante e segura. Um único doador de milhares de reais pode, de um dia para o outro, desistir de você.
Como se pode ver há muito para se fazer com bases de dados, mas elas não são nada sem criatividade e principalmente bom senso.
Ah, sim. Eu ganhei as apostas.
Uma base de dados é só uma base de dados. Um captador com uma base de dados conquista o mundo.
PILULA FONTES INTERNACIONAIS
São poucas as entidades que se utilizam de recursos internacionais. E as que usam, fazem isso há muitos anos. Parece que, como castigo, são justamente essas que estão com problemas de financiamento hoje em dia. Mas isso tem um motivo.
Nos anos oitenta e até um pouco antes, nos setenta, algumas dezenas de instituições foram criadas no Brasil com um forte apelo político, contrário à ditadura e defensor das liberdades e dos direitos humanos. Vários ativistas que criaram essas ONGs conseguiram recursos com fundos internacionais. Tais fundos eram prioritariamente vinculados à igreja e a grupos progressistas. Eram entidades canadenses, suecas, alemãs e holandesas, em sua maioria. Os recursos que tinham eram provenientes das famílias que doavam seus trocados nas missas de domingo nos respectivos países. Mal sabiam elas que parte de seu dinheiro vinha parar na América Latina. Esse período foi bastante pródigo de iniciativas de empoderamento popular. ONGs criavam grupos de alfabetização de adultos, formação de sindicatos, criação de associações comunitárias… Foi um trabalho excelente, mas faltou outro pedaço, o da busca de aliados, como já disse antes.
Essas ONGs recebiam esses recursos como se fosse um crédito a fundo perdido. Foram acomodando-se nessa situação. As fundações pediam basicamente relatórios e mais propostas com novos projetos.
Como tudo na vida muda, esse modelo mudou. As fundações internacionais, pressionadas pelos stakeholders, pessoas envolvidas direta ou indiretamente com elas, passaram a exigir relatórios menos subjetivos e mais quantitativos. Pediam também que nesses relatórios constassem estratégias de complementação de recursos.
As ONGs começaram a desesperar-se. “Como assim complementar recursos? Nós nos dedicamos a alfabetizar adultos, não a buscar dinheiro!”, diziam várias. Depois as fundações passaram a oferecer recursos para projetos somente se as ONGs mostrassem como contrapartida a obtenção de ao menos uma parte desses recursos. Então as ONGs começaram a fazer um mix: Pediam para uma fundação alemã e outra canadense. Para uma prometia que a outra já havia garantido a doação, e vice versa. Eita jeitinho brasileiro.
Neste começo de milênio a coisa está assim: Muitas fundações passaram por uma espécie de “fusões e aquisições”, como nas grandes empresas. Três ou quatro fundações alemãs viraram uma única fundação. Os holandeses associaram suas contribuições ao mecanismo governamental de cooperação internacional transformando-se em uma espécie de entidade paraestatal. E por aí vai. Deste lado do oceano as ONGs brasileiras estão buscando alternativas de financiamento e aprendendo, tardiamente, que existem outras fontes.
As fundações internacionais estão também deixando de apoiar os projetos brasileiros, algumas inclusive fechando seus escritórios aqui. Dizem, e eu concordo com elas, que já somos um país que pode contar com recursos próprios para as causas sociais. Viramos gente grande.
Algumas ONGs morreram na praia, outras viraram uma coisa completamente diferente do que eram antes. E umas dezenas de sobreviventes estão ainda perplexas por não terem visto como o mundo mudou.
Por que esse histórico torna-se importante pra você? Porque você está em uma situação privilegiada. Primeiro não passou por essa situação de ficar mal acostumado com recursos externos. Segundo porque aprendeu que é importante diversificar recursos. Então, contar com recursos internacionais, sabendo que será uma parcela das suas necessidades, é uma situação confortável em uma negociação com alguma fundação internacional.
No seu caso, recomendo que faça uma pesquisa na web. Saiba que existem sites que informam com bastante clareza quais as datas para solicitação, qual o modelo de formulário, qual o foco da fundação, etc.
Uma das maiores vantagens de se trabalhar com recursos internacionais é que a negociação é muito mais clara do que com nós mesmos, os brasileiros. Nós não sabemos dizer não, os gringos sabem. E isso não dói para eles e devemos aprender a não doer para nós quando ouvirmos. Da mesma forma que os “nãos” são categóricos, os “sim” são exatos. Isso é maravilhoso para um captador.
Em geral, não há muito espaço para diálogo quando pedem que você envie um formulário explicando o projeto. Afinal, são algumas centenas, às vezes milhares de proponentes. Mas há alguns que permitem uma conversa. Isso fica claro na página da fonte internacional.
Uma dica que ajuda na aprovação é você mostrar que conseguirá autonomia após o término do projeto. Eles estão com certo trauma de ter enviado milhões de dólares e euros para o Brasil nas últimas décadas e isso não ter gerado desenvolvimento institucional. Se você tem um projeto de 300 mil em 3 anos, mostre que precisa de 190 mil. E usará 100 mil deles no primeiro ano. 60 mil no segundo (pois conseguirá outros 40 mil com terceiros). 30 mil no terceiro (pois conseguirá 70 mil com terceiros). Essa lógica mostra maturidade institucional e gera confiança para o parceiro internacional.
Existem novos mecanismos surgindo. Bem interessantes por sinal.
Na Europa, existe uma legislação criada no âmbito na União européia que define que os orçamentos europeus devem dedicar 0,7% de seus recursos para a cooperação internacional. O bom disso é que essa lei desce em cascata até os municípios. Desta forma você pode, por exemplo, fazer uma parceria com uma cidadezinha no interior da França e obter dela 0,7% do seu orçamento. Muitas cidades italianas têm feito isso. Outra possibilidade é você buscar uma ONG européia e ficarem amigas. As ONGs lá têm uma quantidade significativa de possibilidades, editais, concursos, etc. Mas por experiência própria, fique amigo antes de fechar um convênio. Tem umas ONGs muito chatas por lá também. Busque aliar-se com gente que tem mesmos valores e visões de mundo. Se isso não ocorrer, vai haver aí uma relação de desigualdade, na antiga acepção de colonizador e colonizado. E estamos fartos disso certo?
Nos EUA existe um mecanismo de incentivo fiscal para determinado tipo de ONG. Ele permite que as doações para ONGs que tenham essa certificação possam ter incentivos fiscais. Até aí, isso não nos diz nada certo? Mas agora existe um belo aliado que ganhamos. A Brazil Foundation é uma entidade americana formada por brasileiros. Além de apoiar projetos brasileiros com recursos provenientes de seu próprio fundraising em solo americano, essa entidade tem também o selo que permite ao doador americano sua dedução para a entidade.
Isso tem permitido, ainda de forma incipiente, que empresas americanas ou mesmo brasileiros residentes nos EUA possam doar para a Brazil Foundation e esta repassa os recursos para sua entidade, através de um acordo simples, contendo os custos financeiros (bem baixos) dessa operação.
Porque eu acho essa operação interessante? Porque acredito que estamos começando a desenvolver um novo mecanismo de financiamento: o “fundraising de diáspora”. Imagine a quantidade de brasileiros bem de vida que moram no exterior e que poderiam doar recursos para sua entidade, já que querem um país melhor do que quando o deixaram? Muitos mexicanos moradores dos EUA já fazem isso, repatriando recursos para suas cidades-natal e em alguns casos esses recursos são quase do tamanho dos orçamentos municipais dessas pequenas vilas.
Fontes Internacionais são a cerejinha do bolo para uma entidade consolidada. Além do prestígio, o dinheiro que disponibilizam é muito útil para saltos qualitativos nas organizações.